domenica 2 aprile 2017

Cor de rosa

Quando era moça, para ir às festas e jantares e demais eventos da corte que tanto convêm à alta sociedade, nunca tinha um vestido novo, que me  coubesse feito uma luva, e sapatos que se casassem com a roupa. A partir das seis da tarde, começava o sofrimento da vestição. Era mestre em juntar trapos que  combinassem. O resultado,nem eu sei o porquê, nunca deixava de se sobressair, mas para mim, toda vez era uma Via Crucis. Talvez, é também por isso que hoje gosto de ficar, feito um urso em letargo, sempre no meu lar.  Quiçá... No armário da minha irmã  - para ela, quem sabe por que compravam sempre vestido novos– nem olhava, uma vez que, mesmo  com  os cinco anos que nos separavam como fossem geleiras milenares , chegava, mais ou menos, à altura das minhas orelhas. Ademais, tinha pezinhos de chinesinha que calcavam o número trinta e cinco. E olhe lá! Dessa forma, nada restava a fazer se não me jogar para dentro do armário da minha mãe Regina. O entrave era que minha mãe me ultrapassava em altura e tamanho de uma medida, ou mais. Eu quarenta e dois, ela, quarenta e quatro. Assim, para não perder o achado, tinha que enrolar saias e calças, mas abria mão dos blazers para dar lugar aos casaquinhos de lã. Nos pés,  eu calçava trinta e oito, ela, quarenta. Acabava  enfiando uma palmilha sempre no mesmo par de sapato preto...
O armário de Regina era um forte móvel tirolês, cor céu-nublado. Na porta, em cima e embaixo, cenas bucólicas de campos e morros. Escuras siluetas de homens subiam e desciam pelas encostas e picos.  Em frente do armário um quadro que me encantava. O menino Jesus e São Joãozinho, mais irmãos do que primos, brincavam com os pardais, daquele jeito que se lê nos evangelhos apócrifos, sob os olhares benévolos de Maria e Elisabete. Na sombra, afastado do grupo, lá estava São José, abraçado a seu bastão.  Dava um sorrisinho ao menino Jesus e retomava minha caça, com a esperança de achar uma roupa de cima e uma de baixo que juntas pudessem parecer gêmeas . Toda vez inventava uma nova combinação. Uma noite, toda cor-de-rosa e felicidade, estava pronta para sair. Pedi a um dos gêmeos se por favor  poderia colocar os pratos do jantar no lava-louça. O que eu fiz!! Impedindo minha passagem, posicionou-se  em minha frente com olhos de Medusa e  com na mão uma xícara  cheia de café, que balançava negro, negro feito o capeta. O espirro alcançou saia, blusa e coração. 

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