As bonecas sao minhas a traducao do meu irmao Marco |
Colecionava bonecas em
trajes típicos. A cada viagem dos meus pais, uma nova. “E minha boneca?”,
perguntava para minha mãe com olhar de reza. O presente vinha, pontual como o
sol no amanhecer. Guardava-as todas juntas num berço cor-de-rosa, de madeira,
de onde elas, entediadas até não aguentar mais, procuravam fugir assim que a
noite chegasse. Ao menos, assim me parecia, acordando de sobressalto:
estalidos, farfalhadas de vestidos. O berço, um rabisco no escuro balançando.
Ligava a luz e nada. Com treze anos, recebi como presente da minha avó Stella
uma elegante vitrine de madeira escura, com uma alegre coroa arabescada no
topo, de onde minhas bonecas indianas, da capital e do interior, nobres e
plebeias ficavam me observando perplexas com olhos que pareciam mortos. Do
jeito com que te olham os peixes congelados nas gôndolas do supermercado.
Tristes, como panos de prato usados. Muitos anos depois li a fábula de Andersen
que tem o título de “As flores da pequena Ida”. À noite, nessa fábula, tulipas,
flor-de-lis e rosas iam sempre para um baile e, como consequência, amanheciam
desanimadas e desbotadas, mas felizes. Imaginei que também minhas bonecas,
apesar de os cavalheiros serem quatro gatos pingados, precisassem ir aos
bailes de meia noite … Agora, guardo-as de novo no berço cor-de-rosa e se olho
em direção da vitrine, agora cheia de livros, ficam me sorrindo numa louca
confusão de rendas, xales e plumas. Como quando era criança.