giovedì 19 maggio 2011

Marco


Marco foi o quarto filho. Bonito que nem um menino Jesus, chegou em junho, junto com as andorinhas. Os olhos? De anil, como o céu quando os anjos acabam de lustrá-lo. Parecia, dizia minha mãe, completamente ao avô Luciano, oficial de cavalaria, morto num campo de concentração alemão, que era, ao final das contas, o pai dela. Resumindo era aquele para o qual ardia perenemente a velinha na casa de campo da avó Stella. Talvez devido a essa semelhança, que não devia limitar-se ao fator físico, Marco sempre teve a fixação pelos soldadinhos de chumbo. Cada aniversário trazia uma ou mais caixinhas de soldadinhos airfix. Mais tarde, chegaram as formas para moldar seus próprios bonequinhos. Sem distinção, Marco pintava todos. Grandes ou pequenos, todos ganhavam fardas e baionetas com precisão de um ourives. Ao se concentrar, a língua escapava fora da boca e se esticava até alcançar a ponta do nariz. Uma especialidade que despertava toda minha inveja. Uma vez que todos estavam bem pintadinhos com rosto cor-de-rosa, barbas escuras, facões e espadas prateadas, Marco os guardava um a um, todos de pé, em certas vitrines onde madeira e vidro tinham sido encaixados a contento para receber suas criaturinhas. Cada manhã, eu e Marco – com o qual dividia o quartinho com um beliche de ferro vermelho – saíamos da cama bem protegidos pelos exércitos de liliputianos que nos acordavam brandindo espadas, lanças e revólveres. Tudo mudou quando um dos gêmeos, Frederico, tomou posse do quarto ao lado. Apenas uma parede fina, quase uma divisória, separava os dois dormitórios. Só para nos entendermos melhor, era suficiente um soco na parede e a ruína dos batalhões e das armadas era garantida. Os socos chegaram ... aos montes, assim como as notas ruins dos gêmeos na escola. Marco não perdia a calma, tranquilo abria as vitrines e armado de muita paciência colocava de pé, de novo em continência, os coitados que haviam tombado. Ao final das contas, os soldados se davam sempre bem. Não podemos dizer a mesma coisa com os canários da família.

“O que você está fazendo aí?”, perguntou minha mãe para Marco de dois anos, ou por ali, que estava quietinho, quietinho no banheiro há cerca de meia ora. “Estou – com a fala típica de quem tem a língua presa – dando o banho nos canários” respondeu chateado em tom de lengalenga. Inocente.

O professor Lodovico e sua mulher Regina (que em italiano quer dizer rainha)


Na casa dos Pontes, por tradição, os chefes de família dividiam-se em duas categorias: os professores e os marajás. Aqueles, os professores, fiéis às mulheres deles, de coluna reta, guardiães da papelada de todas as encrencas familiares; estes, mulherengos, flexíveis, inconstantes e, geralmente, eles mesmos cerne de todas as encrencas. O advogado, meu pai, que se chamava Lodovico, era da primeira categoria. Já, seu irmão, jornalista, pertencia à segunda. Ambos, o professor e o marajá, casaram-se e ambos tiveram cinco filhos. Cada um deles teve um par de gêmeos. Os “grandes” (meus irmãos), e os “pequenos”, cujo apelido, sem muita graça, era “os gemeozinhos”. Minha mãe (a mulher do professor) era o oposto de uma professora. Quando moça, enquanto suas coleguinhas usavam os cabelos bem penteados, ela os cortava bem curtinhos feito um garoto; enquanto todas se casavam de branco com longos véus até o chão, ela se casou com um vestido cuja bainha chegava apenas abaixo do joelho e, ainda por cima, com a cabeça desadorna. A mulher do jornalista (o marajá), consolava-se das falhas dele gravando as vozes dos mortos. Eu, na verdade, escutava apenas o silêncio interrompido pelo chiado da fita do gravador de cor cinza que nem um rato. Ela, com olhar de reza: “Escute! Você ouviu?”. Minha mãe, fria feito uma pedra de gelo, dava uma tossidinha e: “Vamos, ´bora... temos que ir”. Muitos anos depois, estava assistindo, para agradar outros amores, um filme de James Bond, do qual meu pai gostava que nem garoto gosta de chocolate. Fiquei pensando: “Como seria legal, se ele estivesse aqui com a gente”. Naquele exato momento escutei um barulho ensurdecedor oriundo da cozinha, como se o vizinho estivesse pendurando quadros em plena noite. Eu o interpretei assim: “Estou aqui, o que você acha?!” As vozes dos mortos.

mercoledì 18 maggio 2011

A galinha branca



Morávamos em uma mansão branca, acocorada, como uma galinha chocando ovos, no meio de um jardim, grande e verde, dividido por limites invisíveis em: pradaria (a parte mais selvagem), gramadinho (onde os irmãos jogavam futebol) e o pequeno bosque (onde o sol não conseguia mesmo abrir um seu espaço, nunca). Além disso, tinha o estradão, pista de corrida de bicicletas sem fim e os dois terraços, aquele de tijolinhos, vermelho, afetado, enfeitado com azulejos alegres com margaridas e o branco e cinza, feito com pedregulhos de rio, deformado e cheio de sobe-e-desce devido as raízes dos pínus que pareciam subir do inferno.

A mansão também era dividida. Desta vez, em duas partes bem delimitadas. Nos dois andares altos, aos quais faziam cócegas as copas dos altos pinus que chegavam até o céu, moravam os Salinas. Lá em baixo , com a grama e as flores, literalmente, na nossa cara, a gente: os Pontes. Para mim, o jardim era aquela casinha de madeira perdida na pradaria, onde se guardavam carrinhos de mão, foices, escadas. Um esconderijo, um abrigo. De repente, uma lembrança. Devia ter com uns sete anos. Corro de perder o fôlego, atrás meu pai enfurecido. “Pergunto-me e digo! (Come pode?)”, urra e eu trotando com as asas nos pés. De improviso, ei-lo em cima de mim. “Veado”, berro. Palavra da qual ainda desconhecia o significado, um arranhão. Fecho os olhos bem forte, espero o tapa. Nunca veio. Quando reabri os olhos, um de cada vez, vi meu pai caindo na gargalhada, vermelho na cara.