martedì 6 novembre 2012

O cachorro Cicero


De vez em... sempre, mia mãe me apresentava as filhas de suas amigas  como fossem as jóias do tesouro de Ali Babá. De forma geral, nos combinávamos tão bem quanto o azeite, com a água. Lembro-me de tristes tardes de silêncios interrompidos por monossílabas. Sorrisos de conveniência e olhares de desconfiança. Uma tarde de primavera  avançada, quando as aulas estavam quase por  terminar e a pradaria (a parte mais selvagem da nossa casa, lembra dela?) se enchia de margaridas brancas, chegou, junto com sua mãe – professora de latim e grego antigo – uma tal de Francisca. Tinha olhos bem pretos, que pareciam jabuticabas, eram olhos atentos, concentrados, pensativos. Exatamente o contrário dos meus, que pareciam sempre dançar o can can.  Ela era o Oeste e eu, o Leste. Ela, pensativa e calada como o entardecer, eu despreocupada e leve como as margaridas ao meu redor. Passamos a maior parte do tempo caladas. Quando chegou a hora de se despedir, chegou sua mãe e como se estivesse na sala de aula, disse “Agora Francisca tem mesmo que ir para casa, pois Cícero nos espera...”. E eu, abestada:  “Quem é Cícero? Seu cachorrinho de estimação?”Isso mesmo, tenho que admitir, respondi assim. Estava já no segundo grau, estudando latim há mais de 5 anos.

Ensaios escolares


Nos ensaios escolares, destacava-me pela  translucidez. Com sete anos era uma macieira. No lugar do caule, uma meia-calça de  fibra elástica que apertava tanto que parecia uma morsa de aço; no lugar dos ramos uma camiseta de manga comprida com folhas e florzinhas brancas espalhadas ao seu redor; na cabeça um falso ninho de pássaros com falsos ovos dentro. Tinha que ficar imóvel no palco e movimentar os braços quando meu coleguinha, que era o vento, saltitava em minha volta com uma manta preta e frouxa que, ao contrario, deveria pairar alegremente. Morria de inveja ao ver minhas amiguinhas com roupas de fadinhas ou de elfos dos bosques...Com onze anos, a professora nos organizou num elegante coral. A gente tinha que cantar “Vá Pensiero”, o cântico de São Francisco e uma miscelânea de trovas romanas. Estava na terceira fileira, mas na minha frente se posicionou um vara-pau com uma moita de cabelos  pretos na cabeça, neta de um ministro e descendente de um herói do Ressurgimento italiano. Aniquilou-me e sumi da cena. Sorte pior ocorreu ao meu irmão Marco que deveria cantar no coral do 9º ano. A professora calou todo mundo e, apontando em direção do coitado, sentenciou : “você, menino loiro de olhos azuis na quinta fileira, abra a boca, mas... não cante!”.

venerdì 17 agosto 2012

Bonecas e mini-bennibags


As bonecas sao minhas a traducao  do meu irmao Marco
Colecionava bonecas em trajes típicos. A cada viagem dos meus pais, uma nova. “E minha boneca?”, perguntava para minha mãe com olhar de reza. O presente vinha, pontual como o sol no amanhecer. Guardava-as todas juntas num berço cor-de-rosa, de madeira, de onde elas, entediadas até não aguentar mais, procuravam fugir assim que a noite chegasse. Ao menos, assim me parecia, acordando de sobressalto: estalidos, farfalhadas de vestidos. O berço, um rabisco no escuro balançando. Ligava a luz e nada. Com treze anos, recebi como presente da minha avó Stella uma elegante vitrine de madeira escura, com uma alegre coroa arabescada no topo, de onde minhas bonecas indianas, da capital e do interior, nobres e plebeias ficavam me observando perplexas com olhos que pareciam mortos. Do jeito com que te olham os peixes congelados nas gôndolas do supermercado. Tristes, como panos de prato usados. Muitos anos depois li a fábula de Andersen que tem o título de “As flores da pequena Ida”. À noite, nessa fábula, tulipas, flor-de-lis e rosas iam sempre para um baile e, como consequência, amanheciam desanimadas e desbotadas, mas felizes. Imaginei que também minhas bonecas, apesar de os cavalheiros serem quatro gatos pingados,  precisassem ir aos bailes de meia noite … Agora, guardo-as de novo no berço cor-de-rosa e se olho em direção da vitrine, agora cheia de livros, ficam me sorrindo numa louca confusão de rendas, xales e plumas. Como quando era criança.

mercoledì 13 giugno 2012

Hierarquias de família.


O mesmo cantinho que a vida tinha nos reservado em casa era ocupado, por nós, meninos Pontes, no Peugeot cor vinho de meu pai. Pedindo licença ao cheiro de acrílico e plástico, estreava , então, o espetáculo simbólico das hierarquias familiares. Sentados juntos às janelas, como fossem pequenos reis no trono,  um para cada lado: os gêmeos. À direita Frederico com a dignidade de  príncipe herdeiro, uma vez que, vindo ao mundo como segundo – por um bizarro capricho da natureza –, era o primogênito. O lugar de esquerda, notadamente o lado do capeta, pertencia a Gianluca, que, olha só, era canhoto. Ombro contra ombro os dois irmãos do meio. Sara, por ser menina, sentava ao lado de Gianluca à esquerda, Marco, escudeiro,  mas nem muito, perto de Frederico. No meio, eu, encolhidinha bem em cima do encosto para os cotovelos (acessório inútil que nem as surpresinhas do ovo de Páscoa).
Um dia de verão, enquanto a gente percorria a Rodovia Leste da Sardenha para chegar a tempo para assistir à missa em San Teodoro, uma fumaça preta e densa feito petróleo, oriunda do capô do carro, começou a dançar na nossa cara. Atrevida, retorcia-se, sorria maldosamente seu inferno para nós, e, em seguida, dissolvia-se ao vento.
“Não é nada, não!”, disse meu pai. E continuava dirigindo. Nem ligava por todas aquelas mãos erguidas dos pedestres, pelos  seus grandes olhos redondos e bocas que pareciam poços sem fundo. Aliás, os cumprimentava pomposamente, achando que aquilo era o devido tributo dos nativos aos desbravadores daquela terra ainda desconhecida aos turistas.   Do alto do meu ridículo trono, confiante na segurança do meu pai, olhava com presunção o temor e a ânsia de tantos desconhecidos. De repente, a freada. Dei um quique contra o teto do carro, cambalhota no ar e aterrissei nos braços da minha mãe. Fiquei assim cara a cara com um “barba azul” com o rosto que parecia entalhado na cortiça e assado na brasa. Tinha-se enfiado até os ombros dentro do carro e encarava severo meu pai com olhos de Mangiafuoco, o terrível titereiro de Pinóquio, e: “Ddiggamme?” -  que seria Diga-me com sotaque dos habitantes da ilha, que, além de exagerar no som das consonantes, costumam embaralhar os termos das orações - “ Um churrasco de crianças fazer queremos?”. Aí, perseguidos pelas labaredas, todos para fora, sem ordem e hierarquias.    

Éster


Quando minha mãe, que era já mãe de quatro filhos, soube que eu estava chegando, desmoronou feito um trapo frouxo e: “Mais um! Não acredito!” disse suspirando. Realmente, uma carinhosa acolhida. Até quase as águas quebrarem – assim me contou – ficou mudando de lugar móveis, talvez, sem saber, na esperança de perder-me. Mas, mais provavelmente, foi devido à mudança. Quiçá... Talvez se fechar os olhos consiga vê-la: ombro exprimido empurrando a face lateral da cômoda escura que domina a sala de estar, rosto contraído, uma mão protegendo a bochecha. Brilha, imaginado-a, uma barriga redondinha e alegre, que me dava aconchego, a despeito de toda a bagunça em volta. Nasci ligeira, ligeira: “feínha” de dar dó, olhos colados um ao outro, poucos cabelos pretos, sempre com o nariz escorrendo. Quando me tornei uma menina, floresci. Mas sempre adoentadinha fiquei. O nariz vivia constipado e no ouvido um chumacinho de algodão que, de acordo com os grandes conhecimentos médicos de minha mãe, ia me proteger da otite. Estava me dando como presente a ilusão de um mundo tom pastel. Dava umas tossidas de vez em quando, mas sempre afundando a cara no travesseiro, jamais queria perder a escola e ficar em casa. Com sete anos adoeci da misteriosíssima “quarta doença”, que fez com que tive que ficar três – diga-se três – meses em casa. Era primavera, quando finalmente saí pela primeira vez. Para proteger a cabeça, minha mãe me emprestou um lenço francês de pura seda, um dos muitos que tinha, cheio de cavalos, selas, chicotes, estribos. “O que você colocou na cabeça? Um estábulo?”  Foi a pergunta que me endereçou, como se fosse um balde de água gelada, um dos meus irmãos gêmeos...     


giovedì 16 febbraio 2012

Uma menina fora de moda




De todas minhas leituras infantis, apenas de dois livros tenho lembrança, ou melhor, três. Eu, igualzinha às protagonistas. Eu, que no fundo, no fundo era já uma mulher, toda aí, alma e corpo, sob o semblante de menina que eu era. Eu, pequena por fora como uma conchinha do mar, por dentro era já adulta. O futuro estava já escrito nos três livros. Eu fração das minhas heroínas de papel, um terço de cada uma. Apresento-lhe Madeleine! De uniforme, que nem eu, enfileirada por dois, que nem eu, todavia diferente, pois atrevida: “She was not afraid of mice, she loved winter, snow and ice, to the tiger at the zoo Madeline said pooh hoo”1. Eu decorava os versos de cada enorme página ilustrada, que, naquele tempo, a versão italiana não existia mesmo. Imagine os filmes … Cada página um pedacinho dos meus pensamentos. Era um pouco, aliás, diria muito, Madeleine. E era um pouco, aliás, diria muito, Marigold, a menina do coração alegre à qual a Montgomery dedica o livro homônimo. Eu como ela, presa ao passado feito uma ostra aos recifes, agarrada às tradições da mesma forma que um náufrago ao salva-vida, dando língua ao meu futuro, ao mar revolto e a maré que me circunda. Na cabeça sempre sonhos e esperanças, que, na vida real, entram em curto circuito e explodem, pum, como balões assoprados por uma baleia. Para ser sincera, não me lembro do nome da minha terceira heroína que vivia em mim. Lembro apenas que era a rainha do romance “Uma moça fora de moda” da Alcott – Ela mesmo, a autora da bem mais famosa trilogia das pequenas mulheres. Apesar de não lembrar esse benedito nome, está fincada na memória a lembrança da capa do livro como se estivesse olhando para ele neste exato momento. Debaixo do título verde, uma cinderela ruiva, com os olhos no chão. Experimenta um elegantíssimo vestido, com um grande laço, verde como o título, encostado-o sobre os ombros. Seu olhar é humilde, e soberbo ao mesmo tempo. Adorava aquele vestido, mas vesti-lo era supérfluo e, ademas, minha pequena heroína, não precisava dele. Um dia, tornar-me-ia assim. Éster, uma moça fora de moda.

1Bom, já que versão português não tinha, eu a traduzi assim: “Ao ver um rato não fugia, amava inverno e água fria e se no zoológico o leão visitava, com vara curta o cutucava”.