mercoledì 13 giugno 2012

Hierarquias de família.


O mesmo cantinho que a vida tinha nos reservado em casa era ocupado, por nós, meninos Pontes, no Peugeot cor vinho de meu pai. Pedindo licença ao cheiro de acrílico e plástico, estreava , então, o espetáculo simbólico das hierarquias familiares. Sentados juntos às janelas, como fossem pequenos reis no trono,  um para cada lado: os gêmeos. À direita Frederico com a dignidade de  príncipe herdeiro, uma vez que, vindo ao mundo como segundo – por um bizarro capricho da natureza –, era o primogênito. O lugar de esquerda, notadamente o lado do capeta, pertencia a Gianluca, que, olha só, era canhoto. Ombro contra ombro os dois irmãos do meio. Sara, por ser menina, sentava ao lado de Gianluca à esquerda, Marco, escudeiro,  mas nem muito, perto de Frederico. No meio, eu, encolhidinha bem em cima do encosto para os cotovelos (acessório inútil que nem as surpresinhas do ovo de Páscoa).
Um dia de verão, enquanto a gente percorria a Rodovia Leste da Sardenha para chegar a tempo para assistir à missa em San Teodoro, uma fumaça preta e densa feito petróleo, oriunda do capô do carro, começou a dançar na nossa cara. Atrevida, retorcia-se, sorria maldosamente seu inferno para nós, e, em seguida, dissolvia-se ao vento.
“Não é nada, não!”, disse meu pai. E continuava dirigindo. Nem ligava por todas aquelas mãos erguidas dos pedestres, pelos  seus grandes olhos redondos e bocas que pareciam poços sem fundo. Aliás, os cumprimentava pomposamente, achando que aquilo era o devido tributo dos nativos aos desbravadores daquela terra ainda desconhecida aos turistas.   Do alto do meu ridículo trono, confiante na segurança do meu pai, olhava com presunção o temor e a ânsia de tantos desconhecidos. De repente, a freada. Dei um quique contra o teto do carro, cambalhota no ar e aterrissei nos braços da minha mãe. Fiquei assim cara a cara com um “barba azul” com o rosto que parecia entalhado na cortiça e assado na brasa. Tinha-se enfiado até os ombros dentro do carro e encarava severo meu pai com olhos de Mangiafuoco, o terrível titereiro de Pinóquio, e: “Ddiggamme?” -  que seria Diga-me com sotaque dos habitantes da ilha, que, além de exagerar no som das consonantes, costumam embaralhar os termos das orações - “ Um churrasco de crianças fazer queremos?”. Aí, perseguidos pelas labaredas, todos para fora, sem ordem e hierarquias.    

Éster


Quando minha mãe, que era já mãe de quatro filhos, soube que eu estava chegando, desmoronou feito um trapo frouxo e: “Mais um! Não acredito!” disse suspirando. Realmente, uma carinhosa acolhida. Até quase as águas quebrarem – assim me contou – ficou mudando de lugar móveis, talvez, sem saber, na esperança de perder-me. Mas, mais provavelmente, foi devido à mudança. Quiçá... Talvez se fechar os olhos consiga vê-la: ombro exprimido empurrando a face lateral da cômoda escura que domina a sala de estar, rosto contraído, uma mão protegendo a bochecha. Brilha, imaginado-a, uma barriga redondinha e alegre, que me dava aconchego, a despeito de toda a bagunça em volta. Nasci ligeira, ligeira: “feínha” de dar dó, olhos colados um ao outro, poucos cabelos pretos, sempre com o nariz escorrendo. Quando me tornei uma menina, floresci. Mas sempre adoentadinha fiquei. O nariz vivia constipado e no ouvido um chumacinho de algodão que, de acordo com os grandes conhecimentos médicos de minha mãe, ia me proteger da otite. Estava me dando como presente a ilusão de um mundo tom pastel. Dava umas tossidas de vez em quando, mas sempre afundando a cara no travesseiro, jamais queria perder a escola e ficar em casa. Com sete anos adoeci da misteriosíssima “quarta doença”, que fez com que tive que ficar três – diga-se três – meses em casa. Era primavera, quando finalmente saí pela primeira vez. Para proteger a cabeça, minha mãe me emprestou um lenço francês de pura seda, um dos muitos que tinha, cheio de cavalos, selas, chicotes, estribos. “O que você colocou na cabeça? Um estábulo?”  Foi a pergunta que me endereçou, como se fosse um balde de água gelada, um dos meus irmãos gêmeos...