O mesmo cantinho que a vida tinha
nos reservado em casa era ocupado, por nós, meninos Pontes, no Peugeot cor
vinho de meu pai. Pedindo licença ao cheiro de acrílico e plástico, estreava ,
então, o espetáculo simbólico das hierarquias familiares. Sentados juntos às
janelas, como fossem pequenos reis no trono, um para cada lado: os gêmeos. À direita Frederico com a
dignidade de príncipe herdeiro,
uma vez que, vindo ao mundo como segundo – por um bizarro capricho da natureza
–, era o primogênito. O lugar de esquerda, notadamente o lado do capeta,
pertencia a Gianluca, que, olha só, era canhoto. Ombro contra ombro os dois
irmãos do meio. Sara, por ser menina, sentava ao lado de Gianluca à esquerda,
Marco, escudeiro, mas nem muito,
perto de Frederico. No meio, eu, encolhidinha bem em cima do encosto para os
cotovelos (acessório inútil que nem as surpresinhas do ovo de Páscoa).
Um dia de verão, enquanto a gente
percorria a Rodovia Leste da Sardenha para chegar a tempo para assistir à missa
em San Teodoro, uma fumaça preta e densa feito petróleo, oriunda do capô do carro,
começou a dançar na nossa cara. Atrevida, retorcia-se, sorria maldosamente seu
inferno para nós, e, em seguida, dissolvia-se ao vento.
“Não é nada, não!”, disse meu
pai. E continuava dirigindo. Nem ligava por todas aquelas mãos erguidas dos
pedestres, pelos seus grandes
olhos redondos e bocas que pareciam poços sem fundo. Aliás, os cumprimentava
pomposamente, achando que aquilo era o devido tributo dos nativos aos
desbravadores daquela terra ainda desconhecida aos turistas. Do alto do meu ridículo trono,
confiante na segurança do meu pai, olhava com presunção o temor e a ânsia de
tantos desconhecidos. De repente, a freada. Dei um quique contra o teto do
carro, cambalhota no ar e aterrissei nos braços da minha mãe. Fiquei assim cara
a cara com um “barba azul” com o rosto que parecia entalhado na cortiça e
assado na brasa. Tinha-se enfiado até os ombros dentro do carro e encarava
severo meu pai com olhos de Mangiafuoco, o terrível titereiro de Pinóquio, e:
“Ddiggamme?” - que seria Diga-me
com sotaque dos habitantes da ilha, que, além de exagerar no som das
consonantes, costumam embaralhar os termos das orações - “ Um churrasco de
crianças fazer queremos?”. Aí, perseguidos pelas labaredas, todos para fora,
sem ordem e hierarquias.